
Você provavelmente se recorda das aulas de história no Ensino Fundamental, quando seus professores lhe ensinaram que o nome institucional do nosso país é República Federativa do Brasil.
Em 1889, o Brasil abandonou a forma de governo “monarquia” – quando a chefia do Estado é feita por um monarca intitulado rei/rainha ou imperador/imperatriz – para adotar o modelo em que os cidadãos ou seus representantes decidem quem deve exercer essa função – um presidente ou primeiro-ministro. Essa nova etapa que prevalece até os dias atuais é a “república”.
Uma segunda classificação possível é a “República Federativa” ou “República Federal”, que indica que um Estado é, ao mesmo tempo, uma república e uma federação. Em outras palavras, o país tem um chefe de Estado eleito por um colegiado (Congresso ou sufrágio universal), mas seu território é dividido por estados ou províncias, cada um deles com uma autonomia de governo. No Brasil, somos uma República Federativa com 26 estados além do Distrito Federal.
“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”
Artigo 18, constituição federal de 1988
Essa autonomia é garantida graças a uma série de medidas legais que dividem os deveres básicos e a arrecadação de impostos entre a União, os estados e os municípios. Essa combinação é chamada de Pacto Federativo.
No Brasil, essa autonomia se traduz em uma divisão das tarefas entre a União (o Governo Federal), os estados e os municípios. Como em um quebra-cabeças, cada um deles precisa dar condições e executar bem a sua parte para que o todo funcione. Isso abrange desde a cobrança dos impostos que subsidiam o funcionamento dos serviços públicos garantidos pela nossa Constituição, como a criação de todos os aparelhos e estruturas necessários para que eles deixem o papel e se tornem realidade.
Vamos entender como isso funciona na prática? A primeira etapa é o pagamento dos tributos que financiam nossos serviços públicos. Selecionamos os três mais conhecidos para explicar como eles são divididos:

- Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI): o imposto da indústria é percentual cobrado sobre todos os bens fabricados, e sempre vai para o cofre dos estados.
- Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU): o tributo cobrado sobre imóveis e terrenos vai para os cofres das prefeituras municipais;
- Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS): incide sobre a maioria dos produtos vendidos em comércios físicos e eletrônicos, além da atividade exercida por prestadores de serviços, e as cifras arrecadadas vão para os cofres dos estados. Uma parte também é repartida entre os municípios
A Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado brasileiro proporcione aos seus cidadãos uma estrutura mínima para a garantir de bem-estar social. Na Segurança, a manutenção das polícias nos estados e das Forças Armadas pela União. Na Saúde pública, a manutenção do Sistema Único de Saúde provendo atendimento universal aos brasileiros.
Mas o exemplo mais forte dessa estrutura está mesmo na Educação, onde tanto a União, como os estados e os municípios devem proporcionar uma estrutura que atenda às necessidades das pessoas adquirirem conhecimentos e aprender especialidades que as ofereça um meio de sustento para toda a vida. Isso inclui escolas e universidades na rede pública de educação, bem como hospitais universitários e colégios técnicos. A Constituição não prevê limites aos investimentos de cada ente do Estado, mas prevê percentuais mínimos que devem ser cumpridos. Vejamos:
- União: deve oferecer Ensino Superior e Ensino Profissionalizante, criar regras para que estados e municípios gerenciem os seus sistemas públicos de educação e fazer repasses financeiros para dar condições de equidade entre os níveis federal, estadual e municipal de educação;
- Estados: devem oferecer Ensino Fundamental e Ensino Médio aplicando, no mínimo, 25% da sua arrecadação de impostos nessa área;
- Municípios: devem oferecer Ensino Fundamental e Ensino Infantil, também aplicando pelo menos 25% da sua arrecadação em impostos neste setor.

Nos últimos anos, muitas administrações têm cobrado uma revisão do pacto federativo, ou seja, dos “acordos” que dividem as obrigações de arrecadar e investir em cada área. Fatores econômicos que fizeram a arrecadação de impostos em todos os patamares cair aprofundaram a crise econômica de alguns estados e trouxeram à tona o debate sobre como cada “peça” deve contribuir para o todo.
Os números e a realidade atual
Na opinião de Jonas Donizette, presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) – entidade que reúne os prefeitos municipais brasileiros – o país precisa descentralizar a arrecadação de impostos, que hoje permanece em maior parte com a União. Dados da edição 2019 do anuário Multi Cidades mostram que os municípios brasileiros investiram, em média, 56,3% de seus orçamentos com as áreas de educação, saúde e assistência social (o percentual-base da Constituição é de 25%). O guia ainda informa que, juntas, as cidades aplicaram cerca de R$ 139 bilhões em saúde, R$ 31 bilhões a mais do que o mínimo exigido pela Constituição. De acordo com a FNP, o valor é equivalente ao arrecadado somente com IPTU em todo o país, no mesmo período.
Em audiência com a FNP em janeiro do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a pasta trabalha para que 60% dos tributos arrecadados estejam nos municípios, sendo outros 30% para os estados e 10% para a União. Na ocasião, Guedes alegou que a aprovação de reformas econômicas – como a Previdência (aprovada em julho de 2019), a Tributária e a do Pacto Federativo (em tramitação no Congresso) – permitiriam a criação de uma economia de mercado que poderia viabilizar a descentralização. Donizette pontuou que a mudança é bem-vinda, mas não é suficiente. Segundo ele, a prioridade deve estar na revisão das responsabilidades.
PEC do Pacto Federativo
Em novembro, o Ministério da Economia apresentou uma nova Proposta de Emenda à Constituição 188/2019 no Congresso. A principal mudança desobriga estados e municípios a investir a alíquota mínima de 25% dos impostos em educação e saúde, em favor de uma regra onde essas esferas poderão unificar os dois valores – antes separados – e ajustando os recursos. A expectativa é de que a junção dos percentuais resulte na economia em uma área ou outra.
A PEC muda a forma de distribuição dos recursos da exploração do pré-sal, e deve garantir o repasse de R$ 400 bilhões aos estados e municípios em dez anos. Em contrapartida, a União deve ser proibida de socorrer financeiramente as esferas que tiverem dificuldades fiscal-financeiras.
O tópico mais polêmico do projeto propõe a incorporação de cidades aos seus municípios vizinhos, nos casos em que que houver menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total.
A PEC 188/19 está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
Reforma tributária
É a reforma do sistema de arrecadação e partilha dos impostos no Brasil. Periodicamente, diversos modelos são apresentados no Congresso, mas poucas vão adiante. No ano passado, a Proposta de Emenda à Constituição 45, apresentada pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), sugere a simplificação de cinco impostos – IPI, ISS, ICMS, PIS e Cofins – em um único chamado “Imposto sobre Bens e Serviços” (IBS), conhecido por outros economistas como imposto sobre valor agregado nacional (IVA). O modelo foi desenvolvido pelo advogado tributarista Bernard Appy.
O IBS será um tributo único cobrado sobre todos os bens comercializados, direitos e serviços praticados em território nacional. Cada estado e município terá autonomia para definir as alíquotas – percentuais – cobrados para cada atividade econômica dentro da sua área de atuação. Por ser único, ele não é cumulativo.
A proposta da reforma tributária de 2019/2020 prevê a criação do Imposto Seletivo Federal (ISF), que incidiria somente sobre os produtos e serviços onde há intenção de desestimulá-los. Por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas, produtos sabidamente nocivos e prejudiciais à saúde, tendem a ter impostos mais altos do que qualquer alíquota do futuro IBS. O mesmo vale para energia, telecomunicações e o comércio de derivados do petróleo, produtos que podem ser subsidiados em períodos específicos para atender a necessidades pontuais da sociedade.
Além da discussão e aprovação no Congresso, a etapa mais complicada seria a transição, continuando a arrecadar e pagar os governos sem que isso seja uma mudança brusca. O plano recente apresentado trabalha com um período de 10 anos.
A proposta foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em maio de 2019 e aguarda discussão em Comissão Especial solicitada em outubro do mesmo ano.
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